A pintura com pigmentos naturais está cada vez mais presente em projetos sustentáveis de design de interiores. E entre os materiais mais acessíveis e ecológicos está a terra crua. Transformá-la em pigmento pode parecer desafiador no início, mas com conhecimento básico e prática, qualquer pessoa pode aprender a realizar esse processo com segurança e eficiência.
A seguir, você encontrará um guia prático e legítimo, com orientações claras para quem está começando.
Entendendo o que é um pigmento de terra
Diferente de tintas comerciais compostas por químicos industriais, os pigmentos de terra são partículas minerais finamente trituradas que, misturadas com um aglutinante natural (como cola de farinha ou goma arábica), produzem cores terrosas suaves, foscas e altamente respiráveis. O resultado é uma estética orgânica, acolhedora e ecologicamente correta.
Esses pigmentos variam de cor conforme a composição mineral do solo da sua região, podendo ir do amarelo claro ao vermelho escuro, passando por ocres, marrons, cinzas e até tons esverdeados.
Onde encontrar a terra crua ideal e como prepará-la
Você pode iniciar sua coleta em locais onde o solo está exposto, como:
Taludes de estradas
Margens de rios ou barrancos
Áreas de escavação
Obras de construção civil
Busque por solos com coloração intensa e textura coesa. Evite locais contaminados com esgoto, óleo ou lixo. Se possível, converse com moradores locais, agricultores ou mestres de obras que conhecem bem a composição do solo da região.
Ferramentas e materiais necessários
Antes de colocar a mão na massa, reúna os seguintes itens:
Item | Função |
Pá pequena ou enxadinha | Para coletar a terra crua |
Balde com tampa | Para armazenar o solo coletado |
Peneira fina (malha 0,5 mm ou menor) | Para filtrar impurezas |
Pano velho ou voal | Para decantar e coar a suspensão de pigmento |
Colher ou bastão de madeira | Para mexer a mistura |
Água limpa | Para lavar e decantar |
Recipientes de vidro ou plástico | Para armazenar o pigmento pronto |
Etapa 1: Coleta e secagem da terra
1- Escolha um ponto seco, seguro e limpo para retirar a terra.
2- Remova pedras grandes, raízes ou matéria orgânica visível.
3- Deixe o solo coletado secar ao sol por 2 a 3 dias (isso facilita a trituração e peneiragem).
4- Quebre torrões com as mãos ou um pedaço de madeira até obter grãos soltos.
Etapa 2: Trituração e peneiragem
1- Triture bem a terra seca até que ela fique o mais fina possível.
2- Peneire usando uma malha fina para separar areia grossa e partículas maiores.
3- O material que passar pela peneira será o pigmento bruto. Quanto mais fina a peneira, mais suave será a textura da pintura.
Dica: se quiser um pigmento ainda mais fino, você pode usar um pilão ou um moedor de grãos manual.
Etapa 3: Lavagem e purificação
Este passo ajuda a separar os minerais leves da areia e matéria residual.
1- Coloque a terra peneirada em um balde com o dobro de água.
2- Mexa bem por alguns minutos e deixe a mistura repousar por 30 segundos.
3- Despeje a água da superfície (sem agitar o fundo) em outro recipiente – ela conterá partículas de argila e pigmento.
4- Deixe essa água decantar por 24 horas. O pigmento irá sedimentar no fundo.
5- Descarte cuidadosamente a água limpa da superfície e colete o lodo colorido que sobrou.
Etapa 4: Secagem do pigmento
1- Espalhe o lodo pigmentado sobre um pano velho ou papel manteiga.
2- Deixe secar completamente ao sol por 1 a 2 dias.
3- Depois de seco, raspe e armazene em potes limpos e secos.
4- Para melhor conservação, rotule com data e local da coleta.
Etapa 5: Teste de cor e aplicação
Antes de usar o pigmento na parede definitiva:
1- Misture uma pequena quantidade com água e um aglutinante (cola de farinha, por exemplo).
2- Aplique sobre um pedaço de papelão, madeira ou parede de teste.
3- Observe a cor seca: tons naturais de terra tendem a escurecer ao secar.
4- Ajuste a proporção de pigmento e aglutinante conforme a cobertura desejada.
Variações de tonalidade conforme a região
As nuances obtidas variam muito de acordo com o local:
Sudeste do Brasil: tons avermelhados e ocres intensos.
Centro-Oeste: paleta que varia entre alaranjados e marrons claros.
Nordeste: terras mais claras e amareladas.
Sul: tons frios e esbranquiçados (com maior presença de argila branca).
Regiões amazônicas: pigmentos escuros e úmidos, com traços esverdeados.
Você pode fazer misturas entre solos de diferentes regiões para criar paletas exclusivas e ampliar o repertório de cores.
Como armazenar seu pigmento natural
Mantenha os pigmentos secos em potes herméticos e longe da umidade.
Evite exposição à luz direta por períodos prolongados.
Identifique com o nome da cor, local e data da coleta.
Se desejar um estoque líquido, misture o pó com água e conserve na geladeira por até uma semana, sempre mexendo antes do uso.
Quando o simples vira arte
Transformar terra crua em pigmento é mais do que uma técnica artesanal — é uma maneira de resgatar a ancestralidade, reconectar-se com a terra e dar vida a ambientes de forma ética e criativa. Ao criar suas próprias cores, você ganha liberdade estética, reduz impactos ambientais e desenvolve um olhar sensível sobre o mundo natural ao seu redor.
Ao longo do tempo, sua prática vai se tornar cada vez mais intuitiva. Teste, observe, ajuste. Cada punhado de barro é uma chance de criar com identidade. Sua parede pode contar uma história — e ela começa com as mãos na terra.